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Gestão de Pessoas como a Alavanca Estratégica do Século XXI - 
Desenvolvimento Sustentável

Por Françoise Trapenard

Tempos de profunda transformação, como este que nos tocou viver, exigem mudanças em todos os campos. Nosso modo de vida está em xeque e o mundo corporativo é parte integrante desta crise de significados. Dentre os novos caminhos escolhidos pelas organizações contemporâneas, fazer da sustentabilidade o modelo de definição tanto de seus negócios quanto de suas estratégias, parece ser o que melhor responde às expectativas de seus múltiplos públicos de interesse. Sustentável vem do latim sustenere, capacidade de manter-se por longos períodos. Este conceito entrou em nossos vocabulários quando começou a ficar claro que, ao contrário do que afirmavam os pensadores no início do Capitalismo, a natureza não era uma fonte inesgotável de recursos a serviço do homem. Os ambientalistas e acadêmicos foram os primeiros a evidenciar que apostar em um modelo de desenvolvimento econômico que destrói o meio-ambiente seria equivalente a colocar em risco a vida no planeta. Destes inícios, em meados da década de sessenta, para cá, esta ideia só foi se ampliando e entrando em múltiplos campos. Hoje, sustentabilidade se tornou um novo valor, um norte que se almeja alcançar como paradigma de convivência entre seres humanos, o meio-ambiente e as instituições.

 

John Elkington, um dos fundadores da ONG (organização não governamental) internacional SustainAbility, cunhou em 1990, o termo triple bottom line, ou tripé da sustentabilidade, por perceber que os consumidores e a sociedade em geral estavam cada vez mais interessados, não apenas nos resultados econômicos das corporações, mas também nos impactos sociais e ambientais de suas ações. Daí surgiu este modelo de indicadores para aferir os resultados integrais de um negócio em termos de pessoas, meio-ambiente e lucro. Lá se vai quase um quarto de século e podemos ver o caminho percorrido por dois ângulos – o copo meio vazio mostra o quanto ainda estamos distantes de uma mudança relevante no sistema. O modelo mais recorrente ainda é o do lucro a qualquer preço no campo dos negócios, e do consumismo cego no campo dos indivíduos, um alimentando o outro em um círculo vicioso que por vezes parece impossível de ser rompido. Agora também podemos olhar o copo meio cheio e ver o quanto se andou neste processo, com grandes corporações em meio a mudanças complexas em suas estratégias para atingir resultados igualmente relevantes nas três dimensões, sem falar das inúmeras empresas que já nascem com este modelo de negócios, sem precisar alterar nada, elas já são a expressão do que se costuma chamar Nova Economia.

 

A mudança, ainda que óbvia, avança lentamente porque envolve uma ampliação de modelo mental. A inercia do conhecido e do status quo é relevante e dificulta o rompimento com os padrões vigentes. Uma estratégia sustentável pressupõe disponibilidade para abrir mão de resultados individuais imediatos e privilegiar benefícios coletivos duradouros. Na lógica de mercado à qual estamos todos submetidos, esta disposição parece sobre-humana. No entanto, Elinor Ostrom, laureada com o Prêmio Nobel de Economia de 2009, juntamente com Oliver Williamson, comprovou que uma comunidade consegue resolver os dilemas dos bens comuns, como água, floresta, pesca, sozinhas, sem precisar da intervenção do Estado ou do mercado. Para ela, a cooperação é a chave do sucesso e esta por sua vez, se estabelece a partir das conversas entre os membros desta comunidade e da confiança uns nos outros. Seus estudos contradizem assim a conhecida armadilha da “tragédia dos comuns”, que enfatiza que a escassez dos recursos comuns faz com que cada um pegue o máximo que consiga, sem se preocupar com os outros. Ir além do estreito modelo mental “do mercado” e perceber que seres humanos são igualmente capazes de se preocupar consigo mesmos e de cuidar da comunidade é o que a sustentabilidade pede.

 

A cooperação, fruto de conversas e confiança, é a plataforma sobre a qual o benefício coletivo e duradouro se consolida. Talvez o primeiro grande desafio seja revisitar a visão que temos de nós mesmos e o quanto o Capitalismo enfatizou nosso lado competitivo apenas. Dar a mesma força e o mesmo valor percebido para nosso lado cooperativo é o primeiro passo então. Ter consciência deste imperativo para garantir, entre outras coisas, a própria perpetuidade da vida na Terra é uma coisa. Mudar a nossa atitude individual e coletivamente é outra bem diferente. Esta contradição entre conhecimento e ação faz parte da natureza humana. Por isso, os avanços não são lineares e nem constantes. Mas ainda assim, eles estão, pouco a pouco, consolidando novas regras do jogo econômico e social entre nós. E mais importante, a geração que está se preparando para assumir as posições de poder em nossas instituições, já sabe que o homem e a natureza não estão separados, mas são interdependentes, e que afirmar a superioridade do primeiro sobre o segundo, além de equivocado, é temerário. Suas atitudes também são, em geral, diferentes da de seus predecessores e graças a elas, florescem novas soluções e negócios sustentáveis nos quatro cantos do planeta.

 

A área de Recursos Humanos faz parte deste processo, não apenas ao apoiar a implantação da sustentabilidade nas organizações, mas também ao repensar seus próprios modelos e práticas, afinal, pessoas é uma das bases do tripé da sustentabilidade. No entanto, para que o RH possa, de fato, ter lugar nesta estratégia, ele precisa, antes de mais nada, entender os conceitos e o alcance desta mudança. Como esta não tem sido uma demanda para área, seus profissionais acabam tendo pouco conhecimento sobre o assunto. Em meio a tantas prioridades reconhecidas como próprias do RH, parece injusto ter que dominar um tema novo a mais que não faz parte de seus “mandamentos” tradicionais.  Justo ou não, o fato é que a organização não pode estar em plena mudança de seu modelo de negócios, sem que o RH esteja diretamente envolvido. E se isso fosse pouco, ampliando a lente para além das organizações, percebe-se que a intensa mudança da sociedade está progressivamente revelando a obsolescência das metodologias e ferramentas tradicionais do RH. A empresa é um microcosmo do que se passa na sociedade e, ainda que nela as mudanças sejam mais lentas, torna-se inexorável a revisão do modelo mental e das bases da área à luz do novo valor da sustentabilidade.

 

Para exemplificar, vejamos as expectativas postas em cada um dos subsistemas de RH:

 

  • Estratégia e Cultura: este processo é o que enraíza o RH Estratégico, pois ele estabelece o vínculo entre a estratégia do negócio e a cultura da organização. Definir os caminhos da empresa e suas escolhas estratégicas é um passo fundamental. Mas também é preciso que todos saibam a direção definida e o seu papel nesta trajetória. É aí que a comunicação clara da estratégia e a cultura organizacional entram em cena, dando a todos os membros da empresa orientação sobre o caminho, fortalecendo a identidade e o senso de pertencer do grupo e reduzindo a ambiguidade no processo decisório. Quando a organização opta por um modelo de negócios sustentável, seus membros precisam incorporar três conceitos: 1. o novo modelo em si – do que se trata e o alcance da mudança; 2. o novo foco na inovação e no futuro; e 3. o novo conjunto de valores e crenças da empresa. Posto assim, nota-se que sustentabilidade no negócio requer uma evolução similar na cultura organizacional, pois estratégia e cultura se influenciam mutuamente. Fazer com que todos e cada um entendam o que a sustentabilidade significa naquela organização e atuem de acordo com o novo posicionamento estratégico levará muito tempo e exigirá um empenho permanente de coerência e reforço positivo. Mas é justamente esta persistência que formará as bases do novo senso de identidade deste grupo, num círculo virtuoso entre discurso e ação. A área de RH é tanto o arquiteto da mudança cultural para a organização como um todo, quanto o artesão da própria mudança dentro de casa. Inúmeros processos internos terão que evoluir e se adaptar às demandas da sustentabilidade, como veremos nos subsistemas que seguem.

 

  • Atração de pessoas: o processo vigente foi definido em um momento de abundância de pessoas e escassez de empregos. Isso gerou um modelo mental de assimetria de forças – a empresa pode escolher quem quer e o escolhido só tem a agradecer. Este é o primeiro subsistema a ser terceirizado – não é visto como estratégico, afinal é tão fácil conseguir gente. Os locais para entrevistas de candidatos são geralmente feios, envelhecidos, nada atraentes. Os atrasos nas agendas e os cancelamentos de última hora, uma prática comum – apareceram prioridades mais importantes. Já a perspectiva da sustentabilidade traz um novo olhar, pois torna a relação simétrica. Ambos lados estão escolhendo e sendo escolhidos ao mesmo tempo. Para mudar um modelo de negócios é preciso pessoas que compartilhem do novo valor e que também queiram vivê-lo em suas vidas. Encontrá-las e atraí-las para a organização passa a ser o maior desafio. As entrevistas tornam-se conversas sobre buscas e significados tanto da organização quanto do candidato, cada um se revelando ao outro. Respeito mútuo é o toque que muda tudo e que vai tecendo o vínculo entre os dois lados desde o momento zero da relação.

 

  • Engajamento e Clima: o desenvolvimento das teorias motivacionais, a partir de 1950, visava definir que fatores impactam no comportamento humano. Algumas delas são citadas até hoje: a pirâmide de Maslow, a teoria dos dois fatores de Herzberg, a teoria das necessidades de McClelland, dentre outras. Aplicando-as no ambiente profissional, o RH passou a relacionar satisfação no trabalho com nível de produtividade. Por meio de uma abordagem utilitária, mas clara para todos, os processos de gestão do clima e engajamento se estruturaram: queremos um bom ambiente de trabalho porque ele gera um melhor resultado para o negócio. Este tem sido o modelo mental por detrás das pesquisas, planos de ação, ferramentas de feedback etc. O olhar da sustentabilidade reconhece o valor desta premissa, mas vai além do utilitarismo, ao focar no vínculo da pessoa com ela mesma, com a organização e com a sociedade. Responder questionários anônimos passa a ser desnecessário a partir disso, já que nesta perspectiva ampliada, todos e cada um são corresponsáveis do significado e do resultado daquele grupo. O engajamento passa a ser uma consequência do sentido maior que aquele grupo de pessoas está buscando realizar juntas. Fazer do engajamento uma resultante é muito mais que uma simples inversão – isso tem um impacto importante, forçando o desenvolvimento de toda uma lógica nova baseada na autonomia da pessoa e no tecer de uma rede de confiança no grupo.

 

  • Remuneração: processo com o desafio técnico de definir o valor de uma posição ou de uma pessoa, respeitando a equidade interna das outras posições e pessoas da organização e tendo como referência o que é praticado pelo mercado externo. As teorias motivacionais também influenciaram este subsistema com a introdução, a partir de 1980, da remuneração variável por performance. Alinhou-se assim os objetivos organizacionais com um modelo de recompensa financeira, baseado no modelo mental da performance individual e/ou grupal estimulada pelo reforço positivo que a remuneração adicional traria. Hoje não é exagero afirmar que esta prática é recorrente em praticamente todas as organizações. Mais que um modelo mental, a remuneração composta por uma parte fixa e outra variável é uma constante. Ainda que os excessos do modelo tenham deixado marcas profundas na crise de 2008, nada parece ser capaz de alterá-lo. No entanto, a lente da sustentabilidade exige esta revisão, pois a dinâmica anual dos objetivos, além do peso crescente da parte variável na remuneração dos altos executivos da organização, está alimentando, não apenas uma inequidade interna crescente em função da diferença da remuneração total nos diversos níveis da organização, como também o viés do foco no curto prazo, recompensando por resultados parciais que podem gerar impactos negativos nos anos seguintes. Mudança delicada, mas muito concreta e necessária em prol da sustentabilidade de fato – se queremos um modelo para perpetuidade da empresa e da sociedade, então é preciso remunerar corretamente a pessoa, resgatando a justiça interna no equilíbrio dos salários mais altos e mais baixos.

 

  • Desenvolvimento: trata-se de um subsistema amplo que geralmente engloba a gestão do desempenho, treinamento e desenvolvimento de pessoas e programas de sucessão. É aqui que se traduz valores organizacionais nas famosas competências. Apesar de amplamente usado, não existe uma definição única para o conceito de competências, ainda que vários autores destaquem a correlação entre um determinado conjunto de conhecimentos, habilidades e atitudes e um nível de desempenho superior do indivíduo e da organização. Avaliar e desenvolver competências seria então a melhor forma de garantir vantagem competitiva para a organização por meio de seu capital humano. Esta abordagem está presente em praticamente todas as áreas de RH. É uma unanimidade que a lente da sustentabilidade reconhece como importante, mas acrescenta uma variável relevante: a diversidade. Em um mundo em mutação, não dá mais para dizer que um determinado conjunto de comportamentos definirá o desempenho superior da organização. Por isso, garantir a diversidade do grupo, não apenas de raças ou gêneros, mas também diversidade de formas de pensar e agir, passa a ser um dos verdadeiros diferenciais dos nossos tempos. Um RH sustentável precisa então se concentrar menos no indivíduo e suas competências, já que elas serão por demais diversas, e passar a garantir um ambiente organizacional que desenvolva e promova o desempenho superior de grupos. Mover a abordagem da pessoa para grupos traz um enorme desafio, afinal não falaremos mais de talentos, mas de grupos extraordinários na execução de tarefas cada vez mais complexas. Cada membro do grupo é fundamental, não pelo seu talento individual apenas, mas por sua interdependência com o todo.

 

  • Comunicação Interna: processo que incorpora todas as comunicações entre a empresa e seu público interno. Ela constrói o discurso corporativo e o apresenta aos colaboradores, aumentando a clareza da estratégia, decisões, políticas, procedimentos e do cotidiano da organização. Agindo assim, ela tem um grande impacto tanto na cultura quando no clima da organização, pois seu conteúdo ajuda ou não a dar coerência na identidade e sentido da organização. Em sua versão clássica, a comunicação era unidirecional, havendo espaço apenas para o conteúdo organizacional. Repetindo a mesma lógica da mídia em geral, os veículos internos de comunicação se contentavam em informar, sem espaço para a participação dos colaboradores e um diálogo direto e público com eles. Aqui a lente da sustentabilidade converge com a lente da sociedade conectada. Veículos unidirecionais estão em franco declínio – o que a sociedade e os colaboradores querem é interação – todos conversando com todos. A evolução esperada para os veículos de Comunicação Interna talvez seja a mais explícita porque suas bases estão claras para todos. O desafio é romper com a dinâmica de poder que um único locus de informação mantem e substituí-la por uma comunicação fluida na qual o centro da verdade se dissolve em múltiplas percepções. Conversa madura de adultos na busca de soluções para a sustentabilidade. Complexo? Sem dúvida. Mas certamente muito mais revelador dos acertos e das dúvidas existentes na organização.

 

Para aprofundar as reflexões sobre a implantação da sustentabilidade em RH, queremos indicar uma pequena bibliografia de apoio:

 

 

  • Trabalho em Parceria – ação coletiva, bens comuns e múltiplos métodos (2010). Elinor Ostrom, Marco A. Janssen e Amy R. Poteete;

  • Sustentabilidade nos Negócios – Valores, Comportamentos e Relações Humanas no Trabalho (2010). Isa Magalhães;

  • Talent, Transformation, and the Triple Bottom Line: how companies can leverage human resources to achieve sustainable growth (2013). Andrew Savitz (não publicado no Brasil);

  • Motivação 3.0 (2010). Daniel Pink;

  • CSR for HR: a necessary partnership for advancing responsible business practices (2012). Elaine Cohen (também não publicado no Brasil).

 

Além desta bibliografia, em abril de 2014, a revista Ideia Sustentável publicou um estudo da NEXT – Observatório de Tendências em Sustentabilidade sobre as 10 Tendências de Sustentabilidade para RH. Para elaborá-las, a Consultoria Ideia Sustentável pesquisou mais de uma centena de fontes e validou seus achados com grandes especialistas no tema, incluindo uma longa entrevista com Andrew Savitz. Veja os detalhes da pesquisa no link: http://www.ideiasustentavel.com.br/2014/05/1%c2%aa-tendencia-de-sustentabilidade-para-rh/.  Sugestões para começar não faltam. Além disso, todos os cases premiados pela ABRH, relativos a este tema, foram incluídos neste livro, como forma de inspirar a ação em outras organizações. Agora é hora então de reunir um grupo de pessoas diversas e complementares e definir uma tarefa ampla: queremos implantar sustentabilidade no nosso RH! O desafio para vocês é definir por onde e como começar. Bom trabalho e sucesso na travessia.

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Françoise Trapenard é Diretora de Sustentabilidade na ABRH Nacional.

São Paulo, agosto de 2014.

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